
Porque alguns pacientes mentem aos seus médicos?
Mesmo após quarenta e cinco anos de prática da medicina há certas atitudes no relacionamento médico-paciente que ainda me surpreendem. Um estudo efetuado por pesquisadores do Colégio de Ciências Sociais de Middlesex (Massachusetts) e publicado no JAMA Medical Education em 30 de novembro de 2018 entrevistou 4510 pacientes com idades entre 36 e 61 anos, sendo que sete em cada dez confessaram que já tinham mentido em uma consulta médica.
Em geral as informações que não condizem com a realidade são as que se referem a hábitos alimentares, práticas esportivas, atividade física, regularidade com que seguem os tratamentos ou ainda em relação à adesão às terapias prescritas pelo médico. Pois essas omissões ou inverdades podem ter consequências na saúde; o desconhecimento de certos elementos por parte do médico pode levar a uma orientação deficiente, a uma prescrição com dosagem incorreta ou mesmo contra-indicada, ou à solicitação de exames complementares inúteis.
O resultado da pesquisa mencionada é surpreendente: a maioria das pessoas interrogadas relataram que deliberadamente praticaram uma omissão de informação pelo menos em um quesito. Do mesmo modo, mais de um terço dos pacientes afirmaram não ter expressado o seu desacordo em relação ao médico; um em cada cinco não seguiram corretamente o tratamento prescrito, sendo que 11% tomaram medicamentos indicados por outra pessoa. Se as conclusões desta pesquisa forem generalizadas, significa que os médicos não dispõem rotineiramente de todas as informações necessárias, o que pode prejudicar a qualidade dos cuidados, principalmente em relação aos pacientes portadores de doenças crônicas.
Mas por que esta falta de confiança? A maioria dos entrevistados disse que não queria ser julgada ou ouvir sermões dos seus médicos. Tiveram medo de serem taxados como maus pacientes ou pensaram que certas informações não tinham importância. Também houve por parte de alguns pacientes o receio de “gastar” o tempo do médico, principalmente naquelas regiões caracterizadas como desertos médicos.
Os pacientes que mais omitem são os portadores de doenças crônicas, portanto com necessidade maior de serem bem tratados e acabam paradoxalmente recebendo menos cuidados. Muitos não confessaram estarem fazendo tratamentos com medicina alternativa. Cabe ao médico fazer de tudo para evitar os mal-entendidos que podem ser prejudiciais. Deve se ter em mente que a sua responsabilidade não se limita apenas em explicar corretamente, mas deve se assegurar que o seu paciente entendeu corretamente. A propensão de que certos pacientes podem mentir é bem conhecida dos médicos que tratam de pacientes dependentes químicos.
De um modo geral os médicos não devem ficar surpresos com essas conclusões pois como em qualquer relação humana a confiança precisa de tempo para ser construída. Infelizmente o tempo é que às vezes nos falta nos dias de hoje!